Por: Sebastián Ortega
Antes de ingressar na aceleradora Velocidad, o El Surti tinha cinco integrantes. “Era um grupo pequeno, que trabalhava de maneira horizontal. Toda a equipe cabia em uma mesa”, recorda Alejandro Valdez Sanabria, diretor do veículo. A definição é literal: os integrantes se reuniam na redação em torno de uma mesa grande onde discutiam a pauta, as possibilidades de criar matérias sobre determinados temas e editavam desenhos e textos sobre as publicações. Naquela pequena redação de um mundo pré-pandêmico, a comunicação fluía com naturalidade num espaço comum.
Ainda que já tivessem testado matérias e investigações com textos curtos e ilustrados para ler no celular, o conteúdo do veículo se baseava principalmente na publicação de ilustrações nas redes sociais. Uma das principais forças era a audiência fiel que se articulava em grupos de WhatsApp.
Com essa ideia, o veículo começou a aceleração com um objetivo claro: desenvolver um programa de membros para aproveitar o forte potencial dos grupos de WhatsApp. Eles queriam que 3 mil dos 6 mil integrantes da comunidade se tornassem membros. Como objetivo secundário, eles apostavam na criação de uma agência de conteúdo ilustrado que, a partir do trabalho com designers freelancers, pudesse atender a demanda de clientes que a equipe não conseguia encarar. O foco estratégico da equipe do Velocidad os fez mudar as prioridades.
Reorganização como base do crescimento
Valdez Sanabria resume a transformação recente do veículo em uma frase: “Deixamos de ser um perfil de facebook que publicava um .jpg por dia para ser uma organização que oferece jornalismo e serviços de comunicação visual para toda a região”. Em apenas 18 meses, o El Surti aumentou seu impacto e sua receita, criou uma comunidade de ilustradores e designers gráficos de diferentes países e exportou sua metodologia de trabalho para toda a América Latina.
Inicialmente, com o apoio de Sebastián Auyanet, consultor estratégico da primeira fase do Velocidad, e com o acompanhamento dos consultores táticos especializados em audiência, gestão organizacional, regionalização, tecnologia, design, dentre outras, a organização detectou que tinha prioridades para trabalhar antes de colocar em funcionamento um programa de membros.
Assim como outros veículos do programa, um trabalho de reorganização e sistematização dos processos internos criou as bases sobre as quais se construiu o crescimento da empresa.
Por se tratar de um veículo dedicado quase que exclusivamente ao jornalismo visual, a metodologia de trabalho e os processos criativos eram diferentes dos de outros veículos. Os primeiros encontros com a equipe do Velocidad serviram para que a equipe fizesse uma autoavaliação e repensasse os processo internos, as dificuldades e as oportunidades para o futuro. “Começamos a nos olhar no espelho”, define Valdez Sanabria.
“A medida que empezábamos a transitar ese camino de ayuda en lo cotidiano se metió muy fuerte la idea de que tenían que empezar a pensar en la regionalización, porque tenían todo para hacerlo”, recuerda el consultor estratégico Sebastián Auyanet. Desde el ingreso de El Surti a la aceleradora, el equipo de Velocidad vio una gran oportunidad de expandir las fronteras locales de este medio.”À medida em que começamos a trilhar esse caminho de ajuda no dia a dia, eles fortaleceram a ideia de que tinham que começar a pensar na regionalização, porque tinham tudo para fazer isso”, relembra o consultor estratégico Sebastián Auyanet. Desde a entrada do El Surti na aceleradora, a equipe do Velocidad via uma grande oportunidade de expandir as fronteiras locais do veículo.
O processo não foi simples: embora o El Surti tivesse planos de buscar financiamento na região, consideravam isso um objetivo de longo prazo, algo que poderiam conseguir ao final de alguns anos. A equipe do Velocidad insistiu e conseguiu convencê-los de destinar parte dos recursos para o planejamento de um processo de regionalização.
Como ponto de partida, nos primeiros meses da pandemia, o El Surti foi convocado para participar do Latam Chequea, um projeto colaborativo de verificação de fatos do qual participaram 28 organizações de checagem de dados de 16 países latino-americanos e da Espanha para ajudar jornalistas e verificadores na cobertura da pandemia de COVID-19. O El Surti tinha um recurso valioso para usar nesse contexto de infodemia: a experiência na elaboração de materiais jornalísticos visuais de alto impacto. Esse projeto obrigou o veículo a pensar em uma forma de produção que servisse a uma rede de organizações.
Pela primeira vez, identificaram, sistematizaram e escreveram sua metodologia de trabalho passo a passo. A “metodologia memética” promove a colaboração e mobilização do público através de um processo iterativo para fazer um jornalismo visual ágil, sustentável, adaptável, remixável e compartilhável. O Latam Chequea significou um incremento na exposição internacional do veículo, recursos econômicos e um valioso capital simbólico: foi a prova contundente de que havia outros colegas, veículos e organizações internacionais interessados em incorporar e aprender sua metodologia.
Paralelamente à convocação para participar do Latam Chequea, o El Surti começou a receber pedidos de colaboração jornalística e consultoria de diferentes organizações da região. “Pensamos que ter clientes na região levaria dois ou três anos, e tivemos primeiro clientes regionais e depois começamos a ter clientes locais”, relembra Valdez Sanabria.
A pandemia influenciou favoravelmente neste processo. “A quarentena diminuiu o mundo. Nas primeiras duas semanas, choveram pedidos de colaboração de veículos e organizações de todo tipo”, acrescenta o diretor. A Fábrica Memética, como chamaram a área de serviços que opera separada do meio de comunicação, cresceu a todo vapor.
À medida em que aumentava a demanda de trabalho, ficou cada vez mais evidente que o verdadeiro potencial do El Surti não está somente naquilo que fazem — o storytelling visual — mas também na maneira como fazem. “Diferentemente do desenho, que é muito difícil de escalar porque é preciso fazer um a um, a metodologia é escalável”, explica Valdez Sanabria.
Eles descobriram que havia uma necessidade muito grande entre os veículos nativos digitais de melhorar a qualidade do jornalismo visual, principalmente nas redes sociais. A partir de conversas com o consultor estratégico nasceu a ideia de criar o Latinográficas, um programa de formação em jornalismo visual para jornalistas, designers gráficos e ilustradores da região que os permitisse exportar e transmitir sua experiência e também gerar uma nova e valiosa fonte de receitas para a empresa.
Os recursos do Velocidad e as consultorias táticas foram fundamentais para elaborar a proposta, buscar financiamento e colocar em funcionamento o programa na segunda fase da aceleradora. “Se íamos ensinar como trabalhamos, primeiro precisávamos saber como fazíamos isso”, conta Valdez Sanabria. O trabalho com a consultora tática Mariel Graupen permitiu que eles conseguissem isso. Por sua vez, as consultorias de finanças e negócios prepararam a organização para obter novos clientes e financiamento para projetos do Facebook Journalism Project, ICFJ, Open Society Foundation e do European Journalism Centre (EJC).
Um deles foi o Latinográficas, do qual participaram mais de 500 pessoas de 250 cidades da América Latina, dos Estados Unidos e da Espanha nas diferentes atividades da primeira edição, no segundo semestre de 2020. O programa não só conseguiu capacitar jornalistas, ilustradores e designers de outros países como também permitiu que os participantes trabalhassem em peças visuais que publicaram em suas organizações, multiplicando assim o impacto em toda a região. Cerca de 20 veículos e organizações da região publicaram estes trabalhos, entre eles Salud con Lupa, Efecto Cocuyo, Maldita, Chequeado e Connectas.
O Latinográficas se transformou no projeto mais importante do veículo. O sucesso da primeira edição permitiu que eles realizassem uma segunda em 2021. Neste ano, além do apoio financeiro das organizações, eles planejam obter receita da própria comunidade. Eles fecharam acordos com organizações e marcas para impulsionar determinados temas e comunidades, e começaram a fazer testes com um programa de membros e eventos.
Se a primeira fase do El Surti no Velocidad foi uma etapa de experimentação — de tentativa e erro — colocada em prática, a segunda foi uma etapa de execução e consolidação de processos.
“Houve uma continuidade. Eles mantiveram linhas muito fortes, como a regionalização da agência e o rearranjo interno da organização”, explicou Nicolás Piccoli, consultor estratégico da segunda fase de aceleração (dezembro de 2020 a setembro de 2021). Atualmente, 40% dos clientes e financiadores são de outros países ou têm caráter regional, como Unicef, Oxfam, Fundación Capital, Dromómanos, El País, entre outros. Além disso, na segunda fase eles tiveram a possibilidade de refinar e aperfeiçoar processos administrativos, um aspecto fundamental para acompanhar o aumento do volume de trabalho.
Ao longo de todo o processo de aceleração, a equipe foi definindo a maneira como via a si mesma, buscando equilibrar os aspectos criativos com o fortalecimento institucional. A equipe passou de cinco para 19 integrantes, aos quais se somam os colaboradores externos dos diferentes projetos. O que era um veículo de conteúdo jornalístico visual se transformou, como define seu diretor, em uma “organização que oferece jornalismo e serviços de informação para toda a região”. Esse processo incluiu uma redefinição de nomes e a construção de novas marcas.
Hoje, sob o guarda-chuva da Memetic.Media funcionam três áreas claramente definidas: a) o veículo El Surti, que inclui publicações e investigações especiais, podcasts, a revista Futuros 2020 e uma seção de verificação de fatos chamada La Precisa; b) A Fábrica Memética, que oferece serviços para diferentes organizações da região e que a empresa estima representar 35% de sua receita em 2021; c) a área de formação, centrada principalmente no programa Latinográficas. Este processo de reorganização, planejado e executado ao longo das duas fases da aceleradora, resultou na nomeação de Juan Heillborn como diretor de formação, responsável pelo design e execução do Latinográficas, e Jazmín Acuña como diretora editorial, que ficou responsável pelo comando da equipe de jornalismo. Eles se juntaram a Carol Thiede, a cargo da área de serviços, de onde foi planejada e executada a expansão do El Surti em nível regional. Todos eles, junto com Vázquez Sanabria, integram hoje a direção da empresa.
Esta reorganização permitiu que o El Surti não só diversificasse melhor suas fontes de financiamento como também ajustasse os processos internos, coordenasse o trabalho com a rede de colaboradores externos e melhorasse a produção jornalística.
Embora a organização nunca tenha deixado de pensar nem de trabalhar na incorporação de recursos técnicos e conhecimentos para criar um programa de membros, durante o processo de aceleração ela decidiu colocar o foco nas necessidades mais urgentes e nas oportunidades de financiamento mais valiosas. Hoje, consolidado o processo de fortalecimento institucional, ela está preparada para cumprir este objetivo.
A partir da consultoria com Celeste Brand, eles entenderam que o potencial do El Surti não estava unicamente nos grupos de WhatsApp, mas sim, principalmente, na comunidade consolidada em torno do Latinográficas. “Nós estávamos muito focados no programa de membros, e ela nos ajudou a descobrir que há outras possibilidades de se obter receita”, explica Valdez Sanabria.
O El Surti entendeu que essa comunidade também pode oferecer apoio de formas distintas, desde eventos e doações até a compra de produtos editoriais que venham a ser criados, como a revista Futuros.
Um dos grandes desafios da organização é o desenvolvimento de dois programas diferentes de membros baseados nestas descobertas: um para esse grupo de seguidores fiéis que consomem os conteúdos jornalísticos e querem contribuir e outro para essa comunidade — menor, mas muito específica — de designers, ilustradores e jornalistas que enxergam na empresa um espaço de pertencimento, formação, trocas e desenvolvimento profissional.
O crescimento, evidente na incorporação de novos integrantes e na promoção e capacitação de outros membros, no impacto do trabalho jornalístico e na diversificação de fontes de financiamento, teria sido impossível sem o trabalho construído a partir de dois pilares fundamentais para veículos de nicho como o El Surti: a transformação interna e a aposta na regionalização. A aceleradora Velocidad, explica Valdez Sanabria, não permitiu somente que eles se olhassem no espelho, revisassem suas práticas, planejassem e realizassem essa transformação vital: “Ela também nos acompanhou na dor que implica crescer.”
FICHA TÉCNICA:
País: Paraguai
Data de fundação: Fevereiro de 2016
Temas que aborda: Juventude e crise climática, controle de oligarquia, como ser mulher no país mais católico da América Latina, verificação de fatos do discurso público, memória e direitos humanos.
Modelo de negócios:
Receitas de serviços de comunicação visual (La Fábrica)
Receitas de cursos (Latinográficas)
Receitas de projetos editoriais (Revista anual de El Surti)
Receitas de subvenções
Equipe: 23 pessoas (imagem abaixo em espanhol)